Depoimento de Luisa Scavone

A primeira coisa que me vem à cabeça quando lembro de tudo é a cena da minha mãe saindo do banheiro depois de tomar banho e avisando meu pai que havia encontrado algo estranho na mama direita. Eu tinha só 6 anos, então não entendia quase nada, mas tinha certeza que estava acontecendo alguma coisa.

Depois desse dia, notei que minha mãe passou a ver programas que tratavam sobre o assunto, com entrevistadas que já tinham enfrentado o câncer de mama. Notei que alguns anjinhos apareceram na cômoda da minha mãe e livros sobre câncer na estante. Mas com tão pouca idade, nem parei, ou talvez nem saberia, assimilar tudo.

De repente precisei ficar na casa da minha avó, no interior de São Paulo, por um tempo sem os meus pais e ninguém me explicou direito o porquê, mas chorei. Chorei todos os dias de saudade, sabendo que havia algo que eu não tinha conhecimento. Tudo o que eu mais queria era minha mãe. Achei estranho porque, sempre que chorava de saudade dela em outros momentos, brigavam comigo por ser bobagem. Dessa vez ninguém brigou. Porque era tudo, menos bobagem.

Nas férias de janeiro, eu ainda estava no interior, minha mãe apareceu enquanto eu brincava na piscina e foi quando eu percebi que estava tudo bem. Que tudo o que poderia ter acontecido que não contam para uma criança de 6 anos, passou. Passou mesmo.
Voltei para São Paulo, entendendo um pouco mais de tudo, e vi minha mãe colocar peruca muito parecida com o cabelo de verdade.

Com o sorriso no rosto, feliz e muito grata, ela fez a surpresa com a novidade na cabeça e eu, talvez me recusando a acreditar que aquela doença não era brincadeira, reagi da pior forma que eu poderia: “Não achei nada parecido”, disse. Definitivamente um dos maiores arrependimentos da minha vida.

Vivi um tempo muito feliz em ter minha mãe na hora do almoço, algo que nunca acontecia por causa de seu trabalho. Lembro de comer pipoca de lanche da tarde, porque ela estava enjoada de comer várias comidas e sentir diferentes cheiros. Nem sabia direito o porquê ela estava tanto tempo em casa, mas eu estava gostando.

Olhando hoje, tudo o que eu menos gostaria é de ver minha mãe em casa na hora do almoço por esse, ou qualquer outro motivo parecido. Tudo o que eu não entendia há 14 anos, hoje eu entendo, interpreto e agradeço. Com muita dor eu agradeço. Sei que não foi fácil, sei que nunca é fácil. Mas sei também o quanto minha mãe aprendeu com tudo isso, o quanto essa trajetória mudou sua vida e, definitivamente, a minha.

Luisa Scavone